Câmeras na escola: salas de aula precisam ser espaços de confiança

Equipamentos de vigilância podem inibir a espontaneidade e a naturalidade necessários nos relacionamentos sociais

Por Cecília Farias*
ARTIGO | Publicado em 10/09/2018


A instalação de câmeras de vigilância em salas de aula e de professores, em algumas escolas particulares no Rio Grande do Sul, tem gerado um interessante debate sobre o entendimento do que significam esses espaços de convivência e aprendizado e quais as condições necessárias para que sejam facilitadores do processo educativo de professores e estudantes.

As salas de aula e de professores são espaços pedagógicos, de estudo, de troca, de descobertas e de confiança. As câmeras de vigilância rompem com esse conceito, são estranhos objetos ao ambiente e podem inibir a espontaneidade e a naturalidade necessários nos relacionamentos sociais.

A câmera, neste local de interação, é também desaconselhável por mostrar registros descontextualizados, com diferentes interpretações. Alguém que não participa das atividades poderá ter conclusões equivocadas, que não encontram consonância com os objetivos propostos.

Ao instalar câmeras nas salas de aula, a escola aposta em mecanismo de controle que pautam os indivíduos pelo medo, ou cerceamento e não pelo estímulo; parte do princípio de que situações inadequadas e ilegais poderão acontecer e precisará de “provas” para o encaminhamento de solução para o conflito, no entanto o que pode estar acontecendo é a fragilização da autoridade do gestor, que transfere o protagonismo da escola nessas situações para o equipamento eletrônico, o que não deve acontecer.

A instituição que se propõe a desenvolver educação deve considerar que o seu projeto pedagógico precisa estar baseado na autonomia e confiança dos envolvidos e nas diversas possibilidades de aprendizagem de alunos e professores.

Os conflitos e sua superação, normais no convívio social, devem ser conteúdo a serem trabalhados na escola. Em um momento histórico que o estudante acessa os conhecimentos por meios tecnológicos _ muitas vezes num simples clique _ é preciso ter foco na aplicação do conhecimento e, acima de tudo, no exercício da convivência e da cidadania.

A relação professor-estudantes deve ser alicerçada no princípio da responsabilidade ensinada e aprendida e das relações saudáveis, necessárias às vivências educativas e sociais, observando os direitos e deveres do cidadão no ambiente educacional.

Nesse sentido é importante que todas as ações apontem para a confiança na capacidade de professores e alunos construírem conhecimento, aprendizagens e um relacionamento centrado no acesso de todos a uma vida mais plena e feliz.

A instituição que se propõe a desenvolver educação não deve ter uma visão policialesca das atitudes daqueles que compõem os segmentos da comunidade escolar, pois a vida fora da escola já está impregnada dessa visão. Se houver atitudes e comportamentos inadequados, os indivíduos devem ser trabalhados para uma mudança efetiva de atitude, ainda mais entre aqueles que convivem diariamente. As escolas devem acreditar que câmeras de vigilância são inadequadas e ineficazes no ambiente educacional e que não devem ser implementadas em um projeto pedagógico que possibilita múltiplas aprendizagens de alunos e professores.

 

*Artigo publicado no jornal Zero Hora, no dia 7 de setembro.