“Não se pode ficar refém de uma câmera”, diz psicóloga sobre projeto de monitoramento em escolas

Para ela, o benefício que os pais teriam em acessar as imagens, em tempo real, podem aumentar a ansiedade em caso de alguma situação mal interpretada.

Comunicação Sinpro/RS
Projeto de lei | Publicado em 06/01/2014


Um projeto de lei, que tramita na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, prevê que creches privadas sejam obrigadas a instalar câmeras de monitoramento e a transmitir as imagens em tempo real aos pais ou responsáveis.

Com experiência em atendimento a crianças e adultos, a psicóloga Aidê Knijnik aponta os perigos que as câmeras podem trazer para a autonomia das escolas. Para ela, o benefício que os pais teriam em acessar as imagens, em tempo real, podem aumentar a ansiedade em caso de alguma situação mal interpretada. Confira trechos da entrevista:

Zero Hora — O que a senhora acha da instalação de câmeras em creches?

Aidê Knijnik — Tenho que confiar na escola que estou colocando meu filho, é lógico que podem acontecer atos violentos, mas preciso confiar. Também devemos pensar no quanto que isso faz com que haja uma interferência maior da família dentro da escola e a falta da autonomia da própria escola. Precisa haver confiança, não se pode ficar refém de uma câmera.

ZH — O acesso dos pais ou responsáveis às imagens pode ser prejudicial?

Aidê — É um perigo os pais terem um comando da parte didática que não é da alçada deles. Ao mesmo tempo isso pode aumentar a ansiedade das famílias de ficar monitorando e observando o filho o tempo todo. Ter a imagem não é ter a vivência. Faz parte da etapa de adaptação as crianças brigarem, uma se isolar, ter brinquedos paralelos e não querer participar de algumas atividades. Essas atitudes podem gerar ansiedade nos pais que estão vendo por uma câmera.

ZH — Na sua opinião, a obrigatoriedade não seria o caminho mais adequado?

Aidê — É um assunto muito delicado, precisamos fazer mais estudos antes de colocar isso em uma lei. Se houver necessidade, ter uma câmera para controle da escola é mais adequado. Tenho muitas dúvidas sobre os pais terem acesso. Ou se aceita e se confia na escola, ou então muda de escola. O monitoramento tira a espontaneidade das crianças dos professores. Aumentar o número de cuidadores por criança é melhor do que colocar uma câmera.

O projeto de lei
Obriga as creches privadas a instalar um sistema de monitoramento com câmeras de vídeo que possibilitem o acompanhamento das crianças em tempo real pela internet

– Banheiros, vestiários e outros locais de reserva de privacidade individual ou de acesso e uso restritos não poderão ter câmeras

– Por causa do custo de implementação, creches filantrópicas e comunitárias comprovadamente sem fins lucrativos não serão obrigadas

– Só pais ou responsáveis pela criança poderão ter acesso às imagens. Por meio de senhas, eles conseguirão ver em tempo real as ações dos alunos e funcionários

– Será obrigatório afixar cartazes informando a existência das câmeras de vídeo no local

– As imagens serão gravadas e arquivadas por no mínimo 90 dias, sob responsabilidade da direção das instituições

– Se o projeto de lei for aprovado, as creches privadas têm o prazo de 180 dias para o cumprimento

O Sinpro/RS é contrário à instalação destes equipamentos e defende a privacidade dos professores e estudantes no processo ensino e aprendizagem, o que garante a espontaneidade, a criatividade e a confiança dos envolvidos. Em 2013, o Sindicato encaminhou ao Ministério Público do Trabalho (MPT) uma denúncia sobre as instituições de ensino que mantêm câmeras de vigilância nas salas de aula, sala de professores e laboratórios. Os Conselhos Estadual e Municipal também emitiram indicações contrárias ao uso destes equipamentos, acesse aqui.